Fala de um tempo que já não conhecemos, a chegada da eletricidade, mas que para uma aldeia do interior ainda não foi há muito tempo.
A experiência desagradável da escola, para quem vem da aldeia também está muito presente, com todas as dificuldades próprias, desde a falta de dinheiro dos pais, ao modo se deslocarem e a dificuldade em compreender os professores.
E por fim a inocência de quem é apanhado pela ilusão.
Deixo apenas um cheirinho, para abrir o apetite.
Quem teve a ideia foi
o Nicolau. Em meados de Outubro, andávamos já no sexto ano, o Nicolau, depois
de muitos rodeios, perguntou-me:
- Ó Alecrim, não
queres ficar rico?
Claro que essa
pergunta não tem resposta. Quem me dera!
- Tenho andado a
pensar e acho que com alguma sorte podemos ser ricos! Bem, não pode ser já,
ainda temos de esperar algum tempo. Se tu quisesses, fazíamos uma sociedade...
É que para ficarmos milionários temos de gastar algum dinheiro...
Eu não estava a
perceber nada, mas agradava-me ouvir aquela estranha conversa.
Sentámo-nos num
penedo e o Nicolau, cada vez mais entusiasmado com as próprias palavras,
contou-me pormenorizadamente o plano que não havia de demorar muito tempo a
pôr-nos a nadar em dinheiro.
- Bem, a nossa
sociedade tem de ser secreta, ninguém pode saber. Tem de ser um segredo entre
nós, um segredo tão bem guardado que nem a nossa sombra pode saber. Por isso
temos de jurar. Juras, Pedro?
E eu, concordando em
absoluto com as palavras do Nicolau, jurei de olhos bem fechados e com os dedos
em cruz encostados à boca:
- Juro, pelas
alminhas do outro mundo, que Vou guardar este segredo. E se falar, ceguinho
seja eu!
O Nicolau repetiu as
mesmas palavras. E nessa noite, alvoroçado com a riqueza que não tardaria,
custou-me a adormecer. Revirava-me na cama e sorria com os olhos fechados.
Imaginava o espanto de toda a gente quando eu e o Nicolau anunciássemos com
grande solenidade: “Pois é verdade! Nós somos ricos!”.